Jornal Zero Hora: Nós solicitamos uma retratação por parte do Sr. Paulo Sant'ana e editor.
Nota: Las palabras vertidas en el pedido de replica son de responsabilidad de las organizaciones citadas abajo. Nuestro blog como parte de su politica de divulgaciòn de la informaciòn entiende necesario poder difundir este pedido.
Por que isto é importante
Rio Grande do Sul, 31 de dezembro de 2014
Petição de retratação do colunista Paulo Sant’ana e do jornal Zero Hora
Senhor colunista Paulo Sant’ana,
Esta petição é motivada pelo seu posicionamento na coluna intitulada “o céu de Punta” veiculada no último dia 29/12/2014.
Antes de mais nada deixamos bem explícito que sua postura em seus últimos escritos vem transparecendo opiniões de cunho racista e de preconceito de classe, como pudemos observar na sua relativização do caso de racismo envolvendo parte da torcida do Grêmio e quando da greve dos bancários do Banrisul, mesmo assim sua postura na reportagem do dia 29 é nada mais que desprezível.
Repletos de traços no limiar de xenofobia o senhor tece uma série de ‘elogios’ a Punta reverenciando que graças à mesma ter sido ‘erguida por argentinos’ e apresentar ‘a vantagem enorme de não conviver com os uruguaios’ é um ‘paraíso encravado no inferno que é o Uruguai’. Sim, nós sabemos que a xenofobia se refere aos estrangeiros, levando em consideração que Punta ‘Só’ está encravada geograficamente no Uruguai, mas foi erigida pelos argentinos e eles assim como os brasileiros e as gentes ‘de todo o mundo’ lá estão em contraposição aos uruguaios, sim, isso é um traço de xenofobia.
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A Argentina
Se faz importante destacar, mesmo que num intervalo, a formação histórica dos espaços platinos aqui evocados, como forma de entender a ideologia que se pretende manter ao valorizar os argentinos em detrimento dos uruguaios. A Argentina passou por um processo de desaparecimento dos negros ao longo do século XIX, com suas guerras, baixa taxa de natalidade e altas taxas de mortalidade, mestiçagem e abolição do tráfico de escravos ainda na primeira metade do século XIX e então o discurso público ficou marcado pela expressão “Negros? No hay” como bem abordou o historiador americano George Reid Andrews em estudo exaustivo sobre os afroargentinos de Buenos Aires. Os negros foram invisibilizados na história nacional, e adotou-se o discurso público de que o racismo lá não existe. Basta observar a organização negra do país e as denúncias constantes de racismo somado as pesquisas acadêmicas que cresceram consideravelmente no assunto desde os anos 2000 para entender que essa história é bem mais complexa e com diferentes atores.
O Uruguai
A República Oriental não foi diferente em termos de desaparecimento dos negros no século XIX e esse que se autoproclamou a ‘nação branca das Américas’ quando de seu centenário teve que lidar com processos muitos semelhantes ao hermano argentino. Porém, é preciso ter em mente que este país se forma como um resultado de guerra onde Brasil e Argentina estavam em disputa, e criou-se então esse país que teve a primeira constituição promulgada em 1830. Na atualidade inúmeras mudanças sociais lá estão acontecendo em virtude da legislação progressista implementada com os dois últimos mandatos consecutivos tendo a frente uma coalizão governista, com a Frente Ampla, principalmente pelas reformas promovidas tendo Mujica (um ex-guerrilheiro do Movimento Tupamaros) a frente do país, e que se mantém no governo, já que Tabaré Vazquez se elegeu e a Frente Ampla tem maioria no parlamento. Além disso, deve lhe incomodar muito o Uruguai ser o 2º país menos desigual da América Latina, que aprovou o aborto; foi o primeiro país do mundo a legalizar a produção, distribuição e venda da maconha; matrimônio igualitário. A organização negra é bastante presente, contando com associações tradicionais e movimentos contemporâneos. Um país em que o princípio laico impera de fato e que não ouve tantas transições que mantiveram a elite no poder como no Brasil. E pasmem, um país que agora em dezembro aprovou na câmara de deputados uma Lei de Meios...se aqui tivéssemos também talvez não precisássemos passar por isso.
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Voltando a matéria do Sr. Sant’ana
Ainda quanto uma suposta ironia, o interessante é que num tipo de construção que adota essa estratégia narrativa o fio condutor é esse em toda a escrita, no entanto o senhor aciona a crise argentina, os pêssegos suculentos, as águas geladas do Atlântico e do Prata as quais são questões bem objetivas.
É a parte final de seu texto que mais desprezamos e repudiamos publicamente, visto que o senhor demonstra um completo desconhecimento da região e informa não haver negros lá, e mesmo que isso desse conta de uma descrição, o senhor utilizou como construção argumentativa uma linha em que elenca as maravilhas locais, e a última parte, ao referir a inexistência de negros faz com que sigamos a sua construção e interpretemos isso como um elogio. É a sua construção que nos leva a isso e não o nosso sentimento de ofensa, como seu comentário a partir da repercussão informa. Este comentário subjetivamente parece acionar a vitimização dos negros, fato muito comum para se defender de acusações de posturas racistas. O senhor informa que em Punta houve uma segregação racial pacífica, e alia a isto um preconceito de classe, visto que ao referir a inexistência de negros o faz em relação aos empregados, empregada doméstica e camareira, ora os negros poderiam ocupar somente esses lugares no seu ponto de vista?
Explicitamos aqui que a sua postura se caracteriza como de manutenção de ideologia racista, o racismo aqui transparece no seu fazer, na sua forma de consciência historicamente determinada, subjetiva, e não em seus termos jurídicos, objetivos ou seja, não existe uma afirmação de apologia a não presença de negros, mas a informação permite vincular aos negros características negativas, assim como aos uruguaios. O Sr. informa que ‘não viu’ negros em Punta, esse não ‘ver’ está referido a cor da pele que sustenta diferenças tidas como naturais. A diferença de Punta aciona sim um padrão discriminatório embasado em diferenças de classe e raciais. Nós não estamos defendendo essa visão, sabemos que a raça não existe enquanto existência real, mas ela existe enquanto processo social que organiza a vida das pessoas, a escrita do autor só reforça a hierarquia entre as mesmas. Lutar contra o racismo é o nosso dever, e lutar contra isso é lutar contra os privilégios de uma estrutura que é racista, com sujeitos como o Sr. que se beneficiam de seus privilégios para reproduzir ideologias de exclusão.
E no seu comentário após a repercussão da matéria, o senhor nada mais faz do que imediatamente acionar a sua história, como se isso fosse uma forma de estar blindado de atitudes de cunho racista e se desculpa alegando erro de interpretação por parte das pessoas que se sentiram ofendidas.
Essa matéria é uma contribuição à manutenção ideológica e prática das atitudes xenofóbicas, de preconceito de classe e do racismo costumeiramente subjetivo contra os negros. É um assombro que ainda esteja no ar e ainda por cima tenha gerado no mesmo veículo de comunicação uma matéria de apoio ao autor.
Nós reivindicamos através dessa uma retratação pública de suas declarações como forma de evitar que tal ideologia siga se reproduzindo e causando uma série de danos coletivos.
Assinam a carta membros do movimento social negro do estado do Rio Grande do Sul; de organizações de defesa dos direitos humanos e da sociedade civil:
Fernanda Oliveira – doutoranda em história, movimento negro de Pelotas, militante do movimento feminista negro, movimento clubista negro.
Giovane Lessa – Rastasul, Frente Negra Pelotense
Renata Lopes – Editora da revista ‘A coisa tá Preta’ e membro da comissão especial de Política de Promoção da Igualdade Racial do Grupo Hospitalar Conceição - CEPPIR/GHC Revista ‘A Coisa Tá Preta’
Luis Caros de Oliveira – Presidente do coletivo de Clubes Sociais Negros do Brasil
Milena Cassal – Cientista Social, professora
Carla Avila – Professora de Sociologia- Pesquisadora e militante do movimento negro Pelotas
Flávio de Souza - ATIVISTA SOCIAL E EX PRESIDENTE DO CONSELHO ESTADUAL DE PARTICIPAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA COMUNIDADE NEGRA RS
Jocelem Ribeiro – Socióloga- Coordenadora do SECONEP (Semana da Consciência Negra de Pelotas)
Jardélia Sá - Professora
Lisiane Niedsberg Corrêa – professora e mestranda em educação, coordenadora do Projeto Desvendando os problemas sociais – rolezinho educativo, militante negra e dos direitos humanos. Porto Alegre-RS
Nara Medeiros – Frente Negra Pelotense
Ali Jamal – Frente Negra Pelotense
Fábio Gonçalves – Professor
Antonio Ricardo Correa Candiota –
Coletivo Juntos Pelotas- PSOL
Winnie Bueno – Coletivo Juntos PSOL
Nina Fola – Militante negra, graduanda em Ciências Sociais UFRGS, presidente da OSCIP AfricaNAmente, Secretaria Executiva da RENAFROSAÙDE RES e membro do Comitê Técnico da Saúde da População Negra do Conselho Nacional de Saúde
Luciana Custódio – Coordenadora Dafe Pedagogia
Sérgio Estevão Silveira - Estudante de Hstória-Ufpel Membro do Coletivos Juntos-Psol Pelotas e Negrosol (coletivo de negros do PSOL)
Fernanda Carvalho – Programa Nação TVE
Fuente: ACSUN, Lic. Javier Dìaz.
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